22 outubro 2009

Pessoa Imperfeita

(Texto adaptado [fem/masc] na Revista do Jornal O Globo)

[...] Por mais disciplinado(a) e responsável que eu
seja, aprendi duas coisas que operam milagres.

Primeiro: a dizer NÃO.

Segundo: a não sentir um pingo de culpa
por dizer NÃO. Culpa por nada, aliás.

Existe a Coca Zero, o Fome Zero, o Recruta
Zero. Pois inclua na sua lista a Culpa Zero.

Quando você nasceu, nenhum profeta
adentrou a sala da maternidade e lhe apontou o
dedo dizendo que a partir daquele momento você
seria modelo para os outros.

Seu pai e sua mãe, acredite, não tiveram
essa expectativa: tudo o que desejaram é que
você não chorasse muito durante as madrugadas e
mamasse direitinho.

Você não é Nossa Senhora.

Você é, humildemente, uma pessoa imperfeita.

E, se não aprender a delegar, a priorizar
e a se divertir, bye-bye vida interessante.
Porque vida interessante não é ter a agenda
lotada, não é ser sempre politicamente correto(a),
não é topar qualquer projeto por dinheiro, não é
atender a todos e criar para si a falsa
impressão de ser indispensável. É ter tempo.

Tempo para fazer nada.

Tempo para fazer tudo.

Tempo para dançar sozinho(a) na sala.

Tempo para bisbilhotar uma loja de discos.

Tempo para sumir dois dias com seu amor.

Três dias.

Cinco dias!

Tempo para uma massagem.

Tempo para ver a novela.

Tempo para receber aquela sua amiga que é
consultora de produtos de beleza.

Tempo para receber aquele seu amigo bêbado.

Tempo para fazer um trabalho voluntário.

Tempo para procurar um abajur novo para
seu quarto.

Tempo para conhecer outras pessoas.

Voltar a estudar.

Para ter filhos.

Tempo para escrever um livro que você nem
sabe se um dia será editado.

Tempo, principalmente, para descobrir que
você pode ser perfeitamente organizado(a) e
profissional sem deixar de existir.

Porque nossa existência não é
contabilizada por um relógio de ponto ou pela
quantidade de memorandos virtuais que atolam
nossa caixa postal...

Existir, a que será que se destina?

Destina-se a ter o tempo a favor, e não
contra.

As pessoas modernas andam muito antigas.
Acredita que, se não for super, se não for mega,
se não for um(a) executivo(a) ISO 9000, não será bem
avaliado(a). Está tentando provar não-sei-o-quê
para não-sei-quem.

Precisa respeitar o mosaico de si mesmo(a),
privilegiar cada pedacinho de si.

Se o trabalho é um pedação de sua vida, ótimo!

Nada é mais elegante, charmoso e
inteligente do que ser independente.
A pessoa que se sustenta fica muito mais
sexy e muito mais livre para ir e vir. Desde que
lembre de separar alguns bons momentos da semana
para usufruir essa independência, senão é
escravidão, a mesma que nos mantinha
trancafiados(a) em casa, espiando a vida pela janela.

Desacelerar tem um custo. Talvez seja
preciso esquecer os futebois nos finais de semana,
a bolsa Prada, o hotel decorado, o churrasco com amigos.
Mas, se você precisa vender a alma ao
diabo para ter tudo isso, francamente, está
precisando rever seus valores.

E descobrir que uma roda de amigos, uma bolsa de palha,
uma pousadinha rústica à beira-mar e o rosto lavado
(ok, esqueça o rosto lavado) podem ser prazeres
cinco estrelas e nos dar uma nova perspectiva
sobre o que é, afinal, uma vida interessante'


Martha Medeiros - Jornalista e escritora

15 outubro 2009

O amor truculento

Ela havia sido feita predestinada ao amor, no entanto, fugia. Sofria calada e amava o nada, pelo menos por enquanto, depois de tudo que passou. Queria por tudo proteger o amor que julgava precioso. Tinha medo que o machucassem, que o destruíssem, tinha medo que ele se tornasse gasto. Mal sabia ela que o amor se reconstitui como o rabo da lagartixa, que é indestrutível, e que é o único sentimento que quanto mais se gasta, mais cresce.
Por mais que ficasse a deriva da dor que o amor traz, teria visto também, sua beleza e sentido sua essência, mas ela se deixou levar pelo medo da dor, sem saber que amando ou não amando, sofreria, de novo.

Não conseguia olhar para si e não ver apenas um pedaço de nada. Um nada que sentia tanto por ver tudo se perdendo. Descobriu que não podia esperar nada dos sentimentos. Podia apenas deixá-los vir, sem culpa, e o resto eles fariam. Chegou ao seu limite alcançável, experimentou das piores sensações e se reconheceu. Afinal, um ser humano só se reconhece quando chega ao seu extremo de novo, e isso exige de toda a sua coragem, toda a sua força.

O vazio dos olhos negros. Era isso o que via, o que os outros viam. O vazio.
Se alimentava de meros novos tentadores de amor, mas eles não lhe davam o sustento, a sensação real do significado do amor, do respeito e sentimento. Sentia que precisava de mais. O chão se abria sobre seus pés, e o vazio continuava a perseguindo.

Queria que não fosse embora nunca, mas queria abandonar tudo e ir pra longe. Fingir que a vida ainda não houvesse lhe dado a chance. Fingir que por tantas e tantas vezes essa chance não havia batido na porta com cara de amor. Mas preferia o sofrimento, preferia a dor, não por gostar, mas sim por simplesmente ter. Não trocaria uma coisa que sabia fazer tão bem, por outra completamente incógnita. Não permitiria que batesse em sua porta e levassem a sua dor tão conhecida, colocando uma ainda maior em si, com a qual não se acostumaria. Não aceitaria.

Ela se bloqueara, mais uma vez, pra mais um amor. Não deixaria nunca de sentir, não se arriscaria. Era covarde demais pra esperar que um desconhecido a levasse aonde sequer o antigo a levou. Era covarde por não mais acreditar. Ah, aquele amor truculento que queria deixá-la no apogeu da perplexidade, não a enganaria, não com este esteótipo de amor natural.
Poderia bater mil vezes na porta, que mil vezes ela seria fechada. Mil vezes com medo do desconhecido. Mil vezes se perdendo em seu limite de dizer não. Mil vezes achando que perder a emoção é melhor que perder a razão.
E continuaria assim, até que encontrasse alguém corajoso o suficiente, forte o suficiente pra tirá-la da cápsula que a protegia e a levasse de olhos fechados mesmo, sem medo, sem dor e leve, mas que simplesmente a levasse.

Vejo...

Não era tão dificil quanto achar um livro em um bilbioteca, era tão simples como dar um sorriso.
Via pessoas e via coisas, via animais e via casas, via.
Cada pensamento que flutuava por alí, cada gesto e movimento, pessoas enundam o local de solidão, de felicidade, de tristeza e, acima de tudo, de esperança.
Vejo pessoas, vejo fumaças e vejo a rua...
Vejo mendigos pedindo o que não têem, vejo sinais de dor, de choro e, às vezes, de amor.
Vejo pessoas, vejo sinais e vejo a lua...
Vejo pedestres que saem de seus empregos alienados em um mundo onde ninguém jamais alcançará, ninguém tocará seus pensamentos ou fissuras, um mundo onde grande parte mais trabalha do que realmente vive, ninguém alcançará.
Pessoas me vêem como um mero e lígido observador, analista e um tom de preto e branco, nada a descobrir, nada a mostrar. Um segredo, Um mistério.
Ainda vejo:
Pessoas, carros, coisas e mais coisas.

Vejo sinais de desespero por não ter o que comer, vejo sinais de felicidade por um presente.
Vejo sinais de desespero e de terror, vejo a carteira ser furtada por um mero menino de rua, morador.

Vejo pessoas, vejo estrada e o fim da luta.
Vejo Paris - França, vejo Camberra - Austrália, vejo Dublin - Irlanda, vejo Porto Alegre - Rs - Brasil.
Me vejo, e pareço tão atento no que as pessoas do centro de porto alegre fazem.
E eu, não faço nada?
Faço, sento ao lado de Mário Quintana e me inspiro, milagre.

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